domingo, 15 de maio de 2011

Dançar pela letra ou pela música?

Nós da dança do ventre conhecemos um amplo repertório de músicas árabes – naturalmente – e muitas de nós não entendem se quer uma palavra do idioma. Durante nosso estudo da arte, aprendemos sobre ritmos, instrumentos, estrutura da música clássica árabe, estilos egípcio, libanês, etc, e muitos aspectos ligados à música instrumental, ou seja, sem letra. Mas muitas músicas são originalmente cantadas (de Oum Kalsoum, por exemplo), e portanto têm uma história sendo contada. Embora existam alguns sites com tradução de letras dessas músicas, o número de canções acessíveis ainda é muito limitado.

Dentro desse repertório de músicas, sempre podemos ter uma ideia do que está sendo contado nelas com o auxílio de terceiros – amigos, professores e falantes de árabe –, e com isso podemos dançar sem estar completamente no escuro em relação à letra. Mas convenhamos que na maior parte das apresentações as bailarinas seguem a melodia e o ritmo, e não a letra.

Na música árabe, existem recomendações sobre o que não se pode dançar de jeito nenhum: músicas que falem de religião e Deus. Mas não é incomum vermos apresentações que utilizam essas músicas – e não é por desrespeito da bailarina, simplesmente é o desconhecimento da letra. Infelizmente isso pode ser bastante ofensivo para um árabe.

Quando partimos para o repertório mais moderno – que é muito amplo, e aceita praticamente todo tipo de música, especialmente se incluirmos as fusões –, também podemos fazer o mesmo questionamento: dançar pela letra ou pela música? Existem músicas muito belas em suas elaborações melódicas e instrumentais, e elas possuem letras que falam sobre morte, guerra, etc – assuntos que em geral não relacionamos à dança do ventre.

Já que o inglês é um idioma que eu conheço bem e com o qual eu trabalho todos os dias, vou citar exemplos com ele, pois tenho segurança para falar sobre ele – já sobre o árabe, não posso ir muito a fundo. Um dos exemplos que sempre me deixa bastante confusa a esse respeito é a música Hotel California, que já foi dançada no Khan el Khalili pela eterna musa Carlla Silveira. É uma dança muito bem executada – sobre a bailarina não tem nem o que falar – e improvisada, ou seja, ela não aparenta conhecer a música quando a dança. Mas lendo os comentários no YouTube na época – procurei muito pra colocar aqui, mas não consegui achar mais o vídeo -, lembro que dentre vários elogios, havia um comentário em inglês que perguntava “como alguém pode dançar uma música dessa?” , não exatamente com essas palavras, mas essa era a ideia. Um falante nativo, que perfeitamente entende a letra da música, estava revoltado porque alguém estava dançando essa música.

Hotel California tem um letra que apresenta diversas interpretações: algumas pessoas acham que ela fala sobre morte, outras acham que pode ser uma alusão a um manicômio, mas a versão da própria banda autora da letra – The Eagles – é de que essa letra aborda a decadência da indústria fonográfica no sul da Califórnia nos anos 70. Seja qual for a interpretação da letra, com passagens bastante sombrias, parece estranho quando você entende colocá-la na dança do ventre, mesmo com a execução de uma boa bailarina. Alguns dos trechos da letra dizem o seguinte:

E eu pensava comigo mesmo:
Isso poderia ser o paraíso ou poderia ser o inferno

Havia vozes pelo corredor,
Acho que as ouvi dizer:
Seja bem-vindo ao Hotel Califórnia

A última coisa que me lembro,
É que estava correndo até a porta
Eu tinha que encontrar um jeito de voltar
Para o lugar onde estava antes.
‘Relaxe’, disse o homem,
"Somos programados para receber
Você pode fazer o check out quantas vezes quiser,
Mas nunca poderá sair!"

Ou seja, bem resumidamente, o Hotel Califórnia é um lugar onde as pessoas ficam/estão presas/estagnadas para sempre – estejam elas vivas ou mortas, dependendo da interpretação.

Lembro-me que quando eu estava na 6ª série – há cerca de uns 15 anos –, eu já gostava bastante de inglês e tinha um caderno em que eu traduzia letras de música. Uma das músicas que eu gostava e que tinha traduzido era Zombie (Zumbi), da banda Cranberries. A música fala explicitamente sobre guerra (alguns trechos falam “E a violência causa silêncio, a quem estamos enganando?”, “Com seus tanques, e suas armas, e suas bombas, em sua mente, eles estão morrendo”). No colégio, um grupo de meninas dançou uma versão techno dessa música, e quando eu vi fiquei horrorizada!! Pensava como alguém poderia dançar tão feliz uma música que falava sobre as crianças sendo mortas violentamente em uma guerra?! Claro que as meninas que estavam dançando não tinham a mínima ideia sobre o conteúdo da música, mas imagina se fosse um trabalho de um grupo profissional apresentando isso para um público falante da língua inglesa, ou pior – em um país que já tivesse passado por uma guerra recente??? Imagina os efeitos que isso poderia causar... claro que no colégio foi tudo bem, e eu não expressei minha indignação porque sabia que elas não estavam conscientes desse fato. Mas até hoje tenho isso na minha cabeça, e continuo com a dúvida na dança do ventre.

Um exemplo na música árabe (bem besta por sinal, mas que eu sei que outras já pensaram também, rsrs). A bem conhecida música “Ana Bastanak” – belíssima, por sinal! Eu sempre ouvi essa música e imaginava – aiai, como é difícil admitir – que o título fosse o nome e o sobrenome de uma mulher: Ana Bastanak!! E como ele é bem repetido na letra, achei que fosse uma música de amor em homenagem a essa tal mulher. Bom, eu não estava totalmente errada, porque de fato é uma música de amor – ufa! –, mas não há nome de mulher nenhum na letra: “Ana Bastanak” significa “Eu te espero”. Embora minha confusão não chegasse a atrapalhar a execução da música, porque a interpretação ainda estaria relacionada a uma história de amor, eu simplesmente ignorei, mesmo que inconscientemente, o fato de que se trata de uma outra língua que não o português! Isso não me causou nenhuma saia justa, mas se fosse uma letra completamente diferente do que eu imaginava, poderia ser chocante ou ofensivo para um nativo ou para um bom entendedor de árabe, e convenhamos, nem todas as pessoas são compreensivas.

Por isso acho importante fazer uma escolha consciente: para quem vou dançar? Para que público e com qual propósito? Não acho feio nem errado dançar Hotel California, por exemplo, mas talvez ela não seja executável em todos os lugares. Zombie eu pessoalmente não dançaria, mas talvez outras bailarinas possam se apaixonar por sua melodia e aproveitar para uma coreografia mais performática e teatral... o difícil seria lidar com o choque.

Dizem que a música é universal, mas depois do episódio da Torre de Babel, os idiomas são muitos, e as culturas também. E aí, em qual das linguagens devemos buscar inspiração para dançar, no idioma ou na música?

quarta-feira, 4 de maio de 2011

2o semestre!

O 2o semestre será marcado por muitas coisas boas para a dança, mas um evento em especial tem tudo pra ser fantástico!!!

Coisas boas acontecem com quem trabalha muito! E quem ganha com isso é a dança do ventre!

Por enquanto é tudo segredo de estado, mas assim que estiver liberado eu grito por aqui!