sexta-feira, 3 de julho de 2009

A busca de todo o artista – equilibrar a técnica e a emoção

Artista do Cirque du Soleil

Grandes artistas – especialmente bailarinos – são aqueles cuja técnica é considerada perfeita. São aqueles que as pessoas observam e não entendem como algum movimento é feito, como alcançaram tal flexibilidade, força e, que, além de tudo isso, desperta algo em quem o assiste, sorrisos, lágrimas, até revolta, mas que faça algo ser "acordado". É a perfeita junção da técnica e da emoção.

Um bailarino pode ser fantástico na parte técnica, mas nunca será completo enquanto não conseguir sentir e demonstrar isso no palco, afinal o papel da arte é despertar algo em quem a observa – na minha opinião – e isso só pode partir do artista que sente algo no que está fazendo. Não há como dançar sem sentir algo pela dança.

Na dança passamos por muitas sensações, antes, durante e depois do momento da apresentação. Primeiro é a expectativa, a alegria de ver um trabalho ser preparado, as angústias que surgem no processo, o nervosismo pré-palco, as frustrações eventuais e a satisfação final. As coisas não acontecem necessariamente nesta ordem, nem nesta forma organizada como as palavras descrevem, porque sentimentos podem e muitas vezes são caóticos, e não há razão que os organize.

O que eu entendo como domínio de palco – em relação ao lado emocional – é aquela pessoa que sente uma certa ansiedade antes e até no início de uma apresentação, mas que aos poucos vai disso para uma verdadeira alegria de estar dançando e apresentando um bom trabalho, sem preocupações com técnica nem erros, mas só ouvindo a música, o público e deixando o pensamento de lado. É a hora de apresentar o fruto de todo o estudo e das horas de trabalho suado, sem pensar nelas.

O grande Paulo Autran

O domínio das próprias emoções pode ser tão ou até mais difícil do que a parte técnica. Isso porque todo o estudo pode ser sabotado se a ansiedade não estiver controlada (isso já aconteceu e continua a acontecer comigo em apresentações).

Estou aprendendo a lidar com tudo isso na dança, mas isso é só a pontinha do iceberg. Por enquanto acho que não estou nem perto de conseguir dominar a ansiedade e o nervosismo. Ainda consigo me divertir, mas ainda falta muito para relaxar. E nem todo o meu estudo tem me ajudado neste aspecto, afinal estudo é racional, e o que estou buscando é emocional. Mas, e aí? Além da experiência pessoal e a dos outros, como posso trabalhar isso? Eu sei que o momento no palco é único e impossível de se representar fora dele, sem um público, mas não acho que devo simplesmente esperar cada nova apresentação e 'torcer' para que as coisas se ajustem aos poucos. Já tentei, e aparentemente não é bem por aí que as coisas vão melhorar. Então, busco armas onde posso: no estudo, na pesquisa e em todo o trabalho pré-palco novamente. Espero não estar andando em círculos, mas isso só o tempo dirá.

Entre algumas coisas que tenho tentado, encontrei palavras úteis e interessantes em um livro que li há muitos anos, dos tempos em que estudava música erudita. É um livro pequeno, comprado direto da autora, mas que é excelente. O nome é "Tocando com Concentração e Emoção", e a autora chama-se Marcia Kazue Kodama. Ele inclusive foi
republicado no ano passado pela editora Som, segundo a própria autora, e agora pode ser comprado pelo site.

O livro é pequenino, mas riquíssimo em informações, e é impressionante como algumas partes aplicam-se perfeitamente para bailarinos também, tirando alguma terminologia específica da área de música. Lembrei desse livro sem querer, e seguindo a intuição fui remexer no armário, encontrei e reli. Com a devida autorização da autora, coloco alguns dos trechos que achei que melhor se aplicam a bailarinos também. E os que mais convém aos meus objetivos de agora...

"Todos os processos de aperfeiçoamento, tanto técnico como interpretativo, precisam de tempo, trabalho e dedicação para o seu desenvolvimento e amadurecimento. Se eles não forem dominados, as dificuldades causadas pela falta de domínio aparecerão em todas as peças tocadas".
Se a técnica requer tempo e estudo, talvez o domínio dos sentimentos que envolvem uma apresentação também precise do mesmo, e de muita paciência, porque cada um tem seu tempo de aprendizado, e ele pode ser mais longo do que gostaríamos.


"A emoção que o intérprete pode transmitir não é apenas a emoção pessoal, mas também a emoção originada pela própria música. Cada harmonia, cada sequência de notas, cada ritmo e cada combinação de sons e melodias, pode ser associado a uma emoção, e assim à própria música, independente do seu sentimento pessoal, pode provocar uma reação no músico e todo esse sentimento ser passado aos ouvintes".
E é tão bom quando há essa troca...é tão bom sentir-se tocado por um artista, e o contrário também deve ser fantástico.

"Acredito que uma das riquezas da música é ser uma arte de momento. A única maneira de repetir a mesma interpretação é através de uma gravação, pois nenhuma música poderá ser produzida exatamente da mema forma; cada interpretação é única".
É aquela velha história, uma bailarina pode dançar a mesma música 10 vezes, e elas serão todas diferentes, mas acredito que isso ocorra de verdade quando há sentimento, quando mesmo com uma coreografia ensaiada e apresentada muitas vezes, o artista deixe-se expressar.

Randa Kamel

"Por isso, não importa o quanto os outros tocam, nem que Mozart aos 8 anos compunha sinfonias. O importante é ver humildemente quais as suas condições reais, as suas dificuldades e capacidades, mesmo que estas sejam aquém do ideal. Não adianta tentar fazer coisas que não estão ao seu alcance, isto resultará em frustrações, aborrecimentos e perda de tempo.
Procure respeitar o seu limite e fazer o seu melhor dentro dele; se conseguir fazer o seu melhor, com certeza se surpreenderá com o resultado final".

Esse trecho é um tapa na cara pra mim; é muito importante para aqueles momentos de "eu não consigo", "tá muito difícil" ou os piores como "mas a fulana faz isso tão facilmente". Tsc, tsc, tsc, cada um a seu tempo, com as suas próprias características. Preciso me lembrar disso sempre!

Enfim, eu poderia citar muitos outro trechos porque o livro é realmente bom. Ela também fala sobre a neurofisiologia da execução musical, explica um pouco a diferença dos hemisférios direito e esquerdo do cérebro e quais mecanismos utilizamos para a concentração, memorização e no aprendizado musical como um todo. No livro também há algumas citações do livro "Inteligência Emocional" – que é o livro que estou lendo no momento – que é outro riquíssimo em informações sobre emoções, e que talvez vire um post futuramente.

Uma das coisas que a Marcia fala que eu gosto bastante é sobre os tipos diferentes de memórias, outro estudo fundamental para qualquer estudante e professor, seja de artes ou qualquer outro assunto; enfim, tem muita coisa, valeu a pena reler o livro. Preferi citar os trechos mais marcantes, pelo menos neste segundo momento em que li. São eles que têm me ajudado a refletir e a buscar o domínio que preciso para subir no palco e dançar mais relaxada, porque alegria existe, com certeza, o problema é aprender a dosar as coisas.

Só pra finalizar, uma apresentação antológica de uma cantora técnica e extremamente expressiva, uma tal de Elis Regina, já ouviram falar? :P



6 comentários:

Anônimo disse...

Oi Naznin!
Bom, vc deve ter percebido pelo meu post do festival que eu sou técnica. Não escondo de ninguém que as primeiras coisas que aprendi dentro da sala de aula foram postura, marcações, contagens e regrinhas básicas para palco. A emoção sempre foi trabalhada no pós-coreográfico. Qnd estava tudo pronto, nós começávamos a sentir. Muita gente é contra, mas é um sintema com o qual me acostumei e se tornou muito mais fácil pra mim. É mil vezes mais simples pra mim, começar a brincar com a música e o sentimento depois que ela está devidamente marcada. São estilos. São maneiras de dançar.
E é esse sentimento que eu,como vc, estou buscando aos poucos. Marcar e coreografar é simples. Sentir... ah sentir é muito mais complicado. Mexe com o âmago, vem lá de dentro. E isso não se coreografa. Ou bem, se tentar...hum, a bailarina vai parecer no máximo um robozinho [e quantas não são não é?]
Vem aos poucos. Dominio de palco, sentimentos expressados, ansiedade controlada.
Mas somente controlada! Acho que se um dia vc deixa de sentir ansiedade, ou até aquele friozinho na barriga... é pq algo está errado e não consegue mais te emocionar como antes!

bjinhos!!

Amar el Binnaz disse...

Belíssimo post flor!! Parabéns!

Acredito que o artista só é diferenciado quando sabe muito, porém sente mais ainda. É por isso que torço o nariz para algumas grandes bailarinas de DV de Sampa, porque muitas vezes vejo muitos passos de grande dificuldade técnica e nenhum sentimento. ´Daí amiga, pra mim acabou.

Concordo com a Ket que o estudo coreogrado te dá uma permissão melhor para sentir, eu também estou juntando meus tijolinhos nesse conceito porque todo o meu estudo de dança foi construído na máxima que "somente o improviso permite o sentimento".

Mas neguinha: vc tá no caminho certo viu!!!

Beijim

Mahlika el Hana disse...

Isso realmente é uma característica tão individual!

Nos meus ensaios eu sinto cada trechinho da música, dá pra ver no meu olhar. Mas na hora da apresentação não é bem assim. Fico preocupada com os passos difíceis e acabo deixando passar alguns sentimentos.

Até por isso me sinto mais à vontade dançando músicas descontraídas: aí eu descontraio geral e a dança fica uma delícia, mesmo na hora dos passos difíceis.

LucianaArruda disse...

post excelente! indico mais dois livros que me ajudaram muito: Inteligência Emocional e Os Ritmos da Alma
=]

Natasha disse...

Muito legal esse texto e os trechos do livro.

Pra mim não há dança sem emoção. Acho que antes de qualquer apresentação nós temos que sentir aquele friozinho na barriga, porque é isso que nos move, a emoção. Enquanto houver essa ansiedade estarei dançando. Claro que é preciso controlar esse nervosismo todo, estudando e ensaiando bastante para se sentir segura no dia da apresentação, mas sem essa sensação, um sentimento que vem da alma e que não tem explicação, não sei se quem assistir sentirá alguma coisa.

E Elis Regina é divinaa!

Ahh, estava lendo seus posts anteriores e vi que você participou do Festival Ritmos do Oriente, eu também estava lá, mas acho que não te vi dançando porque não fiquei desde o início do evento. :)

Beijinhos!

Anônimo disse...

Sumiu!!!!! Cadê seus posts? Adoro todos eles hihi, beijos.